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Andarilho Estelar (Stars Walker) parte 2

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Esta é a segunda parte de um conto criado a partir de um roteiro meu para um game criado para uma Jam.



  • Aproxime-se, Andarilho.
Era uma versão suave da voz que antes ouvira.
  • Bem-vindo, Joseph.
  • Como sabe meu nome?
  • Sei muito, sei além, sei tudo.
  • Quem é você?
  • Sou muitos, sou além, sou todos.
No íntimo de Joseph, a repetição sincronizada da resposta foi irritante e a entidade captou essa emoção.
  • Não precisa ficar assim, Joseph. Entre os milhares de nomes que a humanidade me deu, pode me chamar de Mahadeva.
  • Maha…
  • Sim, e eu preciso que faça algo por mim. Você foi escolhido para esse fim.
Era abissal a confusão da mente de Joseph, mas sabia que deveria continuar ouvindo.
  • Eu?
  • Você… e eu!
As palavras ficaram confusas, as pronúncias pareciam ser estrangeiras demais para o caçador simples e humilde, mal pareciam humanas.
  • Você… Andarilho!
A luz ficou mais forte, mastigou Mahadeva, engoliu a sala, destruiu o mundo.
Ao abrir os olhos, enxergava o corrimão da escada, o tapete bem ajustado e a empregada curiosa com aquele supostamente bêbado que se perdeu procurando um banheiro.
Joseph encarou o chão e ignorou o olhar debochado da mulher. Precisava organizar os pensamentos para digerir aquilo que acabou de vivenciar. “Mahadeva, Mahadeva”, a palavra ecoava na sua mente como um mantra insistente. Num impulso, direcionou-se aos degraus, correu pelo salão novamente animado e alcançou a rua. Deveria procurar a única pessoa que poderia entendê-lo, talvez ajudá-lo: Marsha.

Caminhava apressadamente, dobrando ruas, driblando pessoas. A cabeça nas nuvens não o deixou perceber uma criança à sua frente. Tropeçou e ambos foram ao chão.
  • Desculpa, garoto.
  • Tudo bem. Eu estava só testando algo.
O olhar do menino pendia para algum telhado e mirava um gato que apreciava a cena de humanos desastrados, como todos eram aos seus olhos felinos.
  • A moça da loja de poções me deu um negócio que faz ele falar.
  • E ele falou?
  • Sim, ela disse que talvez eu não gostasse do que ouviria, e ela tava certa.
  • O que ele disse?
  • Ele odeia o nome dele, ele odeia como eu trato ele, como um animal de estimação.
  • Mas ele é um animal de estimação!
  • Ele acha que não.
De qualquer jeito, o garoto parecia decepcionado:
  • A moça da loja de poções estava certa.
Joseph olhou a alguns metros à frente. Seus olhos pararam sobre a pequena estrutura de telhado roxo e sussurrou:
  • A moça da loja de poções sempre está certa.
A porta se abriu, um sininho de boas-vindas cantou:
  • Joseph, meu velho amigo!
Marsha estava de costas no fundo da loja.
  • Como soube que era eu?
  • Um espírito me contou. Ele está parado perto de você - disse ela virando-se com um olhar penetrante.
Joseph olhou para o lados esfregando os ombros como se pudesse espantar qualquer coisa etérea de perto de si.
  • Brincadeira, Jojo. Ouvi você falando com Thomax.
  • Quem?
  • O moleque que tava falando com o gato - ela caminhava na direção do balcão com uma pilha de livros.
E continuou:
  • Batizou o bichinho de Kleôncio, pediu uma poção para ouvir o quanto era amado e só ouviu desaforo. Agora fica ali com cara de Chackra Básico achando que tinha razão em alguma coisa.
  • Com cara de quê?
Marsha olhou divertidamente para Joseph e perguntou o que ele fez com os livros sobre energia vital que ela emprestou para ele semanas atrás.
  • Esse conhecimento iria ajudar você nas caçadas e na sua vida em geral. Deixe de ser indisciplinado quando o assunto é leitura, Jo.
  • Falando em leitura. Preciso de uma ajudinha.
  • Poções do amor na estante do fundo.
  • Não, não é isso - lembrou-se de repente da menina apaixonada que encontrara mais cedo, porém logo a imagem dela desapareceu - preciso saber se o nome Mahadeva significa algo para você.
  • Maha…
  • … Deva.
  • Claro que sim! Qualquer pessoa com um pé no sobrenatural conhece esse nome. Por quê?
Joseph passou a desenrolar sua aventura, repassando situações estranhas que experimentara antes disso, dias atrás, sonhos, vozes, uma enxurrada de informação que parecia estar represada dentro de si e achou ali o momento de inundar os ouvidos de alguém que saberia o que fazer com elas.
  • Procure Baba.
  • Você não pode me ajudar?
  • Já estou ajudando. Vá ao lago, no trapiche, próximo ao acampamento no lado de fora da cidade.
  • Sim, eu vi, mas…
  • Vá, anda. Ela já te espera.
Marsha começou a varrer a loja. Era uma forma de dizer que era hora de ir embora. Quando almoçávamos todos juntos na casa dela, ao invés de varrer, ela coletava a louça e começava a lavar. Discrição não era muito seu forte.
Na rua, Thomax ainda parece a decepção em figura de criança. O gato no telhada olhava desdenhoso, balançando a cauda como uma serpente. De certo, agora nós dois achamos que “miau, miau” é mais do que o suficiente para lidar com eles.
Voltou pela estrada. Dobrou o caminho, encontrou a ponta do trapiche e Baba ao fundo.
  • Joseph, meu bem, na hora, como sempre!
  • Sempre é a hora.
  • Isso mesmo, aprendeu bem.
Baba não se virava, corria os olhos sobre as ondas do lago como se ele fosse um texto vivo.
  • Ele falou com você, Ele te deu uma missão.
  • Quem é Ele, Baba? Quem é Mahadeva?
  • Quem não é Ele? Ele tem tantos nomes, formas e motivos que poderia dizer que somente Ele existe. Ele é o que é.
Tudo ficou escuro, menos a água do lago, que brilhava como… como um céu estrelado, e os pontos brilhantes dançavam formando constelações.
  • Tantos sábios procuram as respostas de suas vidas nas formas do céu, mas não sabem que o céu é uma mentira. O céu espelha o que já foi assim como o mar espelha o céu, e a todo momento o mundo espelha o que já não é. Sábios são tolos que procuram fora o que existe em sua língua pessoal, dentro do coração.
  • Não entendo.
  • Andarilho Estelar. O que anda nas sombras do passado do céu, do mar e da terra.
Joseph arregalou os olhos, Baba tinha o peito dele como um livro aberto sem nem virar-lhe a face.
  • Todos somos pedaços de almas que se dilaceram e se reúnem no decorrer das eras. Algumas vezes, o pedaço que já fez parte de nós deseja se reunir conosco. As almas são caminhantes das estrelas por natureza e uma hora ou outra, hão de se juntar ao que já foram para se tornarem uma só, de várias.
A confusão na cabeça de Joseph parecia um tornado ingrato que pressionava o cérebro.
  • Um pedaço de ti está preso na Clareira Triste e você tem a missão de ir buscá-lo.
  • Eu?
O pronome soou distante, solitário, frio, múltiplo.
Soou como soa um sussurro em uma cavidade e a luz foi se apagando. Joseph parecia caminhar, mas não via chão nem seus pés.
A imagem de Baba diminuia rapidamente enquanto ela proferia conselhos e desejava boa sorte.
  • Com a luz das estrelas podes tocar o outro lado. Defenda-se se precisar.
Sem boca que as dissesse, sem rosto que as emoldurasse, essas palavras pairavam assombrosas no ar.
Nas mãos, sentiu a macia forma de pétalas. Carinhosamente levantou ambas as mãos e viu uma Flor de Arádia. Essa flor é muito apreciada nesse período de Yemote. Dizem que acalma os mortos impacientes e muitos viajantes vão direto para o Jardim ao Sul colhê-las. Colocou a flor no bolso e seus olhos se acostumaram com a escuridão.
Joseph mal via a tarde por cima das árvores. Que floresta densa! Tropeçou em algo e ironicamente torceu para que não fosse Thomax.
Era Alícia.
Ou o que sobrou dela.
De certo ela correu para o Norte e se perdeu. Acabou entrando na estrada proibida e algo a estraçalhou, espalhando seu corpo em miúdos pedaços e Joseph suou frio ao imaginar que sua esposa já teria se aventurado por essas bandas.
Sentiu vontade de vomitar. Uma mão invisível esmagava seu estômago e ele correu para o Norte, sempre para o Norte. Precisava chegar lá, agora, esse ímpeto era a sua natureza.


(Continua)
 
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