"1º: Não é porque a TV é repleta de mulheres semi-nuas que um traficante vai pensar em sequestrar mulheres e obrigá-las a se prostituir, ele vai fazer isso em qualquer lugar. No máximo, esticando muito o argumento, você pode dizer que ele pode fazer isso aqui porque vai achar que vai ser mais fácil fazer isso aqui. Uma coisa não tem ligação com a outra. Jogar jogos violentos te faz violento? É o mesmo argumento."
Se o seu argumento fosse válido, não haveria aumento estatístico (que você pode encontrar facilmente com um simples Google, eu não me darei esse trabalho) de casos de tráfico sexual justamente em períodos de carnaval. E o fato do tráfico sexual envolver, majoritariamente mulheres, tem sim a ver com a forma como o ser-mulher é compreendido socialmente, e isso reflete-se em todos os âmbitos da sociedade: das micro-relações interpessoais às instituições como a mídia e o Estado. E quando você estabelece relações de causa-efeito diretas, você está simplificando uma questão muito mais complexa, que envolve "n" fatores, dentre eles, a forma como sujeitos sociais são representados. Você trata a questão do tráfico como se fosse a mesma coisa em qualquer lugar do mundo, em qualquer contexto social ou histórico, e isso também não é verdade, pois o Brasil, aqui na América Latina, ocupa o primeiro lugar no índice de turismo sexual, e esse número elevado está intimamente ligado com o carnaval, o que já foi demonstrado estatisticamente pela ONU.
2º: Representação requer autorização, o que quase nunca ocorre por aqui. Fulano aparece se dizendo representante dos direitos das mulheres: Ok, já que você está generalizando, se aparecer uma única mulher que discorda do que você diz seus argumentos são inválidos. Ela é mulher e você não a representa, e aí? E não, isso não invalida o primeiro ponto. Dizer que uma faca é perigosa é diferente de dizer que a faca é perigosa e que devia ser usada em assassinatos.
Você está partindo do pressuposto de que eu admito a legitimidade de noções tais como "lugar de fala". Se eu admitisse a legitimidade de tal noção, seu argumento até seria válido, mas não é esse o caso. Você está incorrendo num equívoco comum, que é tomar o conceito de representação pelo seu sentido puramente jurídico, mas o conceito de representação cabível no contexto político-social não é jurídico: representação, aqui, é o aspecto mediante o qual um objeto se apresenta à minha percepção produzindo um determinado sentido ou conjunto de sentidos. Isto é, representar consiste em determinar a forma pela qual um objeto aparece, sendo a forma pela qual o objeto aparece uma expressão da sua essência, ou seja, daquilo que o objeto é.
º: A sociedade como entidade não existe. Sociedade é um aglomerado de indivíduos, mesmo que eles se organizem em grupos eles não deixarão de ser indivíduos. Repetindo a palavra: o indivíduo é a menor minoria, não tem essa de minorias étnicas/ de gênero/etc. Fulano pode se definir como um destes, mas o fato de que agora ele faz parte de um grupo não significa que ele deixou de ser um indivíduo. Antes que alguém me processe: em uma "sociedade" - usando o termo livremente - ética e moral, os únicos direitos plausíveis são os direitos naturais. O resto é privilégio quer você concorde com isso ou não. E não, não estou me baseando na minha ética e moral, estou me baseando na única ética e moral que se defende por si mesma. Por este motivo eu a apoio, não o contrário.
Tudo o que você disse aqui não passa de um aglomerado de pressupostos assumidos se criticidade alguma. Você ignora que a ideia de um indivíduo como unidade possui uma historicidade, nem sempre foi assim, e é totalmente questionável a substancialidade do indivíduo como primeiro e último termo do social. Sua compreensão de individuo nasce na modernidade, com pensadores liberais como Hobbes, não é objetiva, mas pertence a uma escola de pensamento baseada numa metafísica naturalista que apenas os mais ingênuos conseguem engolir. O indivíduo, como unidade, é uma abstração tanto quanto a sociedade pensada em termos de uma totalidade orgânica (como acreditava Durkheim). O indivíduo é um efeito, uma forma que nasce de certas relações sociais, econômicas, políticas, culturais etc. E a sociedade, ao contrário do que argumentam pensadores como Hobbes, não é apenas o conjunto unificado dos indivíduos, e aqui reside a grande falha da filosofia liberal: o todo (o social) é maior do que a simples soma de suas partes, ele é um complexo de relações, complexo dentro do qual nascem, simultaneamente, indivíduo e sociedade como polos opostos, sendo essa oposição dialética uma simplificação grosseira da dinâmica social.
4º: Voltando ao termo 'representatividade'. Quando você contrata um advogado ele te representa. Quando você não pode ir até determinado evento e contrata/envia um representante, mesma coisa. Sair por aí bradando que os grupinhos auto-segregados precisam ser representados não é representatividade. Inclusive, pode acabar sendo calúnia, difamação, mentira etc. Novamente usando o exemplo da mulher: se fulano diz que representa todas as mulheres, depois diz alguma bobagem, quer dizer que todas as mulheres concordam com aquela bobagem? Nessas horas a culpa é do indivíduo, né?
Novamente, você está tomando o termo representatividade na sua acepção jurídica, e isso além de equivocado, só mostra que você está falando sobre o que não conhece, e que possui uma compreensão rasa de uma questão muito maior, porque NENHUM teórico da sociologia ou da filosofia toma o conceito de representação no seu sentido jurídico. Você não se deu ao trabalho de compreender o conceito antes de criticá-lo, o que o coloca no mesmo nível daqueles que o usam de forma irresponsável para fins ideológicos. Em ambos os casos, faltam as mesmas coisas: estudo e senso crítico.
Ah, antes que eu me esqueça: a turminha que gosta de lutar contra objetificação devia lutar contra o estado - com 'e' minúsculo mesmo. - não contra alguma imagem descaradamente sensual. É bom lembrar que as pessoas possuem número de série, certificado de procedência, certificado de garantia, área de operação e entrada e saída de comandos. Não é ficção, mas você tem a mesma documentação de uma máquina de lavar louça.
Ué, e quem foi que disse que isso não é feito? Esse comentário só mostra que você não sabe do que está falando e, pior, critica um espantalho. A objetificação é apenas um ponto dentro de uma crítica política que engloba cultura, instituições e economia. Qualquer autor que trata dessa questão (a objetificação dos sujeitos) - Foucault, Deleuze, Agamben, Buttler, Derrrida, a Escola de Frankfurt etc. - fazem-no dentro de uma crítica maior: a crítica política do nosso tempo. Esse comentário infeliz serve apenas para indicar o que eu já suspeitava: você não conhece aquilo que critica, não se deu nem ao trabalho de realizar a genealogia dos conceitos, e ouvir o que toda uma literatura política tem a dizer sobre a questão. Eu encerro minha participação neste tópico aqui, porque não sou obrigado a ensinar o abecedário para quem já deveria sabê-lo de cor e salteado. Eu exijo dos meus interlocutores o mínimo de domínio sobre o assunto que se pretende tratar, e não é o que vejo aqui.
Au revoir!